Crítica Swarm S1: Donald Glover é queerfóbico?

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Lembro bem quando estreou Atlanta, de Donald Glover. Em suas duas primeiras temporadas, escrevi críticas muitos elogiosas à série, apesar do problemático episódio B.A.N. À época, tratando-se desse capítulo, destaquei que “o falso programa de entrevistas é uma ótima sacada. Entretanto, tocar em um problema muito grave, que é a transfobia, e logo após tirar sarro de um homem transracial é uma mistura equivocada de situações. Até que ponto o roteiro mostra que quem sofre preconceito também pode disseminá-lo e partir de onde faz o mesmo?”

Abandonei Atlanta no primeiro episódio da terceira temporada, que mostra um casal de lésbicas psicopatas. Vejam bem, não me importo com a falta de representação queer em produções. Ano passado mesmo, o Temporada escolheu Pachinko como a melhor atração do ano, apesar da série não ter nenhum personagem queer. Ocorre que o problema da obra de Glover é muito mais grave: as poucas representações queer que vi até então eram apenas negativas.

Como abandonei a produção, não escrevi sobre isso e deixei o assunto de lado. Todavia, com a vinda de Swarm, série criada por Glover e por Janine Nabers, ficou impossível ignorar o assunto.

Na atração, Dre (Dominique Fishback) é uma mulher negra serial killer. Na inspiração para criar a produção, usou-se um tuíte de uma mulher negra que reclamava sobre a falta de pluralidade nas narrativas delas. Nem todas as mulheres negras são terapeutas e bem equilibradas, algumas podem ser assassinas também.

É muito bom que a representação delas, péssima durante décadas, evoluiu positivamente ao ponto de que elas possam ser antagonistas sem com isso trazer prejuízo à discussão do preconceito racial. Ocorre que, se com elas teve esse avanço na narrativa, hoje mais inclusiva e com nuances, o mesmo não se pode dizer sobre a representação de transexuais.

Pelo contrário, estamos num período de caça às bruxas onde as mesmas pessoas com expectativa de vida extremamente baixa porque são mortas pelo ódio são acusadas de serem estupradoras, violentas e assassinas. Extremistas como J. K. Rowling, a criadora de Harry Potter, gastam seu tempo, aparentemente muito livre, para espalhar transfobia e negar existências.

Levando todo esse contexto em questão, fica evidente por que o sétimo e último episódio da primeira temporada de Swarm é um erro. Nele, Dre assume uma identidade masculina e passa a se chamar Tony, sem nenhuma explicação. Temos duas possibilidades aqui, ambas ruins: ou Tony realmente é um transhomem, mostrado até então com muitos problemas mentais, algo comum na televisão e no cinema; ou Dre apenas usa essa identidade como disfarce, uma forma de mais uma vez fazer pouco caso de trans, como se não passassem de pessoas fantasiadas de alguém do sexo oposto.

Isolado, o fato já é problemático. Levando em conta a trajetória de Glover, a situação piora. Sim, ele, que também atende pelo nome de Childish Gambino, este usado para seu lado musical, deixou em aberta a possibilidade de ser bissexual e não se importou nenhum pouco com o fato do seu personagem no universo Star Wars ser pansexual.

Entretanto, isso não o exime de ser queerfóbico, com foco principal na transfobia. Bem intencionadas ou não, as pessoas são capazes de fazer estragos quando reforçam visões que agridem determinadas comunidades. Aliás, como bem ressaltado recentemente por Lil Nas X, o cenário de rap e hip-hop, que Gambino/Glover faz parte, é preconceituoso. Há uma questão relacionada à masculinidade também já abordada em Insecure. Conforme escrevi na crítica da segunda temporada da série, “é só olhar ao seu redor para perceber que vivemos num mundo onde ser vítima de preconceito não nos livra de propagar ou relevar outras opressões. Infelizmente, nem sempre somos capazes de usar o próprio sofrimento como forma de amadurecer o respeito à diversidade”.

Para fechar, deixo a excelente música This is not America, de Residente, porque, Gambino, isto aqui, sim, é América – da Terra do Fogo até o Canadá.

Nota (0-10): 2

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