Uma das grandes sensações do cinema no ano passado foi o filme indiano RRR, de S.S. Rajamouli. Eu fiquei animado para assistir, já que sempre associei cenas de ação asiáticas com artes marciais e lutas muito bem coreografadas e bonitas. Até temos sequências de ação interessantes na produção da Índia, mas a obra é bem mais americanizada em seu pior aspecto. Com diálogos por vezes risíveis e um forte discurso pró-armas como se elas fossem sinônimo de libertação, fez sentido que a trama rocambolesca ganhasse muitos aplausos nos EUA, terra que de tempos em tempos enterra suas crianças massacradas em tiroteios sem que ação alguma de combate seja tomada.
The Last of Us, série criada por Craig Mazin a partir de jogo de videogame homônimo, também segue, infelizmente, essa fetichização das armas. Gostaria de enfatizar que entendo perfeitamente que se trata de um mundo pós-apocalíptico com monstros controlados por fungos. Não sou contra a utilização de armas, ainda mais nesse contexto. Ocorre, todavia, que a série dá muito ênfase em armas como algo quase sagrado.
Ellie (Bella Ramsey) é uma garota de apenas 14 anos. Poderia ganhar uma pistola de Joel (Pedro Pascal) como um mal necessário e sem alarde para o fato, mas a construção dessa troca é muito rasteira, como se o fato de ela ter furtado uma arma fosse responsável pela salvação do seu protetor. Na cena em questão, quando Ellie mata um homem que está estrangulando Joel, teríamos o mesmo resultado dramático se ela tivesse usado uma barra de ferro, por exemplo.
Entretanto, caímos sempre nessa necessidade norte-americana de vangloriar armas de fogo — o que, por sinal, criativamente falando, é bem pobre, já que os confrontos são sempre iguais. Não querendo ser sádico, mas já que estamos falando de um universo fictício violento, a série poderia ser muito mais inventiva nos confrontos sangrentos. Boa prova disso é que a cena mais forte e dramática é quando um religioso louco tenta violentar Ellie e ela o mata com uma faca. Não temos armas, os inimigos são humanos não transformados e, mesmo assim, é a sequência mais impactante de todas.
Mais uma vez: não sou contra o uso de armas na atração, só poderiam calibrar isso num discurso melhor. O resultado da diminuição do uso, aliás, poderia ser confrontos ainda mais explosivos e inusitados.
Apesar dessa constante preguiça made in the USA, é preciso falar que The Last of Us é empolgante e corresponde ao hype que tem. Os atores estão ótimos, com destaque para as participações de Murray Bartlett e Nick Offerman, que vivem respectivamente Frank e Bill, o casal que deixou todos chorando no espetacular episódio Long, Long Time, desde já cotado como um dos melhores do ano.
Pena que se esse episódio acertou em cheio no arco queer, dando a trajetória mais feliz possível para o casal, a série erra com Ellie e Riley (Storm Reid) em Left Behind. Imediatamente após o beijo, surge um monstro para atacá-las, quase como se fosse um pecado ter uma relação homossexual. Para todos entenderem: isso é recorrente no mundo da ficção, por isso minha crítica. Se fosse algo isolado, tudo bem, até porque na realidade pós-apocalíptica em questão não há muita felicidade mesmo. Todavia, acontece com frequência maior que deveria, um bom exemplo é o fim de Killing Eve. Muitas vezes, produções dão um jeito de matar personagens que despertam sexualidades que não são heteronormativas. Isso é bem cansativo e triste.
Voltando para os pontos positivos de The Last of Us: muitas cenas conseguem ser enervantes, de terror mesmo. Toda a sequência no carro, no primeiro capítulo, antes da filha de Joel falecer, é de tirar o fôlego. O caos ao redor, a indecisão de para onde ir, o crescente medo, tudo está em tela e dá gás a When You’re Lost in the Darkness, uma introdução que passa rápido, mesmo tendo o tamanho de um longa-metragem.
Em uma jornada tão enxuta, até mesmo as partes mais fracas, como a quarta, intitulada Please Hold to My Hand, são boas o suficiente. Algumas pisadas no freio necessárias até chegarmos ao empolgante fim da temporada.
Também vale pontuar o bom diálogo sobre comunismo. É um dos tantos pontos positivos que fazem a série tão boa, apesar de tudo.
Nota (0-10): 7