Era para ser uma noite de festa, dança, alegria. Acabou em uma tragédia em que 242 pessoas foram assassinadas. O incêndio na boate Kiss, na madrugada de 27 de janeiro de 2013, ainda deixou mais de 600 feridos – centenas de vítimas de uma mistura de crime, ganância e desleixo envolvendo desde músicos e proprietários da casa noturna até membros do Ministério Público e da prefeitura de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Esse chocante massacre, que não foi acidente, e a luta de sobreviventes e familiares dos mortos por justiça foram retratados no livro Todo dia a mesma noite, de Daniela Arbex, e agora na minissérie homônima da Netflix, que dramatiza esta que é uma entre tantas vergonhas brasileiras, já que, passada uma década, o que reina é a impunidade.
A versão televisiva, criada por Gustavo Lipsztein, divide em cinco episódios uma narrativa que se estende por anos. É impossível não se emocionar muitas vezes com a dor de quem perdeu um ente querido – no meu caso, que sempre morei no Rio Grande do Sul e, em especial, em Santa Maria durante três anos, particularmente me sinto comovido quem toda a tragédia e o desenrolar da história.
São tantos absurdos, como o Ministério Público processar pais das vítimas que não ficam inertes frente à impunidade crescente. Dos 28 nomes inicialmente apontados por ter ligação com o crime, restam, ainda sem julgamento, apenas quatro. Os demais, que são membros do poder público, foram livrados de qualquer culpa, mesmo que sejam óbvias as muitas perversões ocorridas antes que tantas vidas fossem ceifadas.
A minissérie, que é produzida pela Morena Filmes, tem o coração no lugar certo para contar essa história. A direção de fotografia é ótima. O texto, todavia, é superficial e, em alguns momentos, risível.
Num universo de milhares de mortos, sobreviventes e familiares, óbvio que a atração precisa focar em poucos personagens. Mesmo assim, limitando o escopo em personagens fictícios que representam um todo maior, é impressionante como consegue ser rasa em suas narrativas. Todos os capítulos têm cerca de 40 minutos, são bem rápidos. O que custava dar alguns minutos a mais antes do incêndio para criarmos alguma conexão com os protagonistas?
Não temos profundidade antes e nem depois. Um bom exemplo é a Grazi (Paola Antonini), que teve uma perna amputada em decorrência do incêndio, além das queimaduras. A personagem não tem desenvolvimento algum. Zero.
Como se não bastasse a superficialidade, algumas atuações deixam a desejar. Chega a ser irritante tantos sotaques forçados e uma explosão de “bah” e “barbaridade” o tempo todo, como se tivéssemos diante do clichê perfeito do gaúcho.
E essa corrida contra o tempo para contar tudo é piorada por uma trilha musical poucas vezes correta. Na maior parte do tempo, transita entre o desnecessário e o horrível. Faz piorar transições de cenas com climas muito distintos.
Uma lástima tudo isso. Todo dia a mesma noite só se salva por causa da força da história real. Todo e qualquer erro acaba sendo remediado pela força de pais na sua incansável luta por justiça. Que eles consigam. Que tal crime não se repita.
Nota (0-10): 4