The Crown, série criada pelo indicado ao Oscar Peter Morgan com foco na realeza britânica, sempre foi alvo de críticas, pois dramatiza os acontecimentos que cercam Elizabeth, aquela que representou durante décadas o elo entre o humano e o divino – bem, ao menos para os ingleses, já que o seu reinado certamente estava mais perto do inferno para os países colonizados e explorados.
Com a recente morte da rainha, instalou-se um grande sentimento de perda e pesar nos súditos fieis às tradições da monarquia. Isso talvez explique o porquê da produção da Netflix, agora no seu quinto ano, ser mais bombardeada do que nos anos anteriores, sempre igualmente polêmicos e nem por isso tão divisivos.
Isso porque a atração continua tão excepcional quanto sempre fora. O roteiro inteligente se une a atuações fortes e qualidades técnicas inegáveis. Cada um dos dez episódios funciona perfeitamente como um média-metragem com vida própria, ainda que componha o todo e adicione mais uma peça num quebra-cabeça que revela aos poucos uma figura muito mais desagradável que se poderia imaginar.
Entramos na década de 1990 com firmeza e estes são os anos da princesa Diana. Elizabeth Debicki, sua nova intérprete, faz um trabalho fenomenal e toma a dianteira, por enquanto, na corrida para o próximo Emmy de melhor atriz dramática. Sua presença é hipnótica e gera a combustão necessária para dar gás à série. O amor que o povo sentiu por Diana é transportado para a ficção e a afetividade da princesa em tela nós deixa apaixonados.
Os capítulos focados no drama dela são os mais aguardados do ano, como aquele em que ela é enganada por um repórter da BBC, que a convence a conceder uma entrevista no qual é revelada boa parte de sua intimidade.
O seu protagonismo acaba ofuscando os demais membros da família real. Imelda Staunton causou certa estranheza nas primeiras aparições como a rainha. Todavia, com o passar dos episódios, parece ter incorporado melhor o posto antes levado com maestria por Claire Foy e Olivia Colman.
Entre os demais atores, é importante salientar duas outras participações. Lesley Manville está perfeita como a princesa Margaret. Apesar de ter pouco tempo em cena, há ao menos um episódio que dá bom destaque a ela. Deve ser o suficiente para assegurar indicações no papel de coadjuvante, apesar das muitas ausências em outros momentos a distanciarem de uma vitória.
Quem também merece aplausos é Salim Daw, que dá vida a Mohamed Al Fayed, figura central do capítulo Mou Mou. Daw transita bem entre o desprezível racismo e a imagem afável do personagem egípcio.
Ele é um exemplo perfeito da série como um todo, que tem pessoas capazes de atos de mesquinhez, de amor, de ódio, de compaixão. Um detrator da monarquia pode facilmente torcer o nariz para a série dizendo que ela vangloria a família real. Ao mesmo tempo, um monarquista pode acusar a série de destruir a imagem da realeza. Isso bem mostra que Morgan faz um bom trabalho ao apresentar uma narrativa mais focada em nuances do que em agenda própria.
Leia a crítica de The Crown S4
The Crown segue sendo o trabalho imperdível de outrora. Um exemplo de rigor técnico, consistência e o que de bom a TV pode nos oferecer.
Nota (0-10): 9