As crianças cresceram. O vilão é novo. Os horizontes foram expandidos, mas a qualidade continua a mesma. Stranger Things, série criada pelos irmãos Duffer, chega ao seu quarto ano tão forte quanto no começo.
A nostalgia dos anos 1980 dá o tom do programa, que é muito mais do que isso. Fenômeno de público e crítica, o drama conseguiu preparar de maneira satisfatória o terreno para a próxima temporada, já anunciada como a última.
O amadurecimento dos protagonistas ficou em ótima sintonia com a introdução de Vecna (Jamie Campbell Bower), criatura do mundo invertido que começa a matar jovens de Hawkins em sequências aterrorizantes – que, por sinal, causam surpresa por estarem bem mais pesadas que em anos anteriores. Uma mudança bem-vinda, vale frisar.
Por falar em Hawkins, a cidade a qual nos acostumamos dividiu espaço com a Califórnia, a União Soviética, Nevada e outros pontos. Uma estratégia desafiadora e com resultados mistos. Os arcos de Joyce (Winona Ryder), Hopper (David Harbour) e Murray (Brett Gelman), que se interligam, não chegaram a empolgar tanto, mas acabaram se mostrando satisfatórios. A jornada de Eleven (Millie Bobby Brown) foi boa, mas poderia ser melhor se ela tivesse se reunido fisicamente com os amigos em apuros antes do embate do nono episódio.
O grande problema foi com Mike (Finn Wolfhard), Jonathan (Charlie Heaton) e Will (Noah Schnapp). O trio ficou sem função na série e virou a parte maçante a ser assistida. Ainda que seja muito significativa a fase de Will, que se percebe diferente dos demais e é bem provável que revele ser gay na quinta temporada, fica difícil defender sua trama quando nada de relevante acontece. As mensagens nem tão subliminares sobre sua sexualidade estão presentes há anos e os criadores poderiam ter coragem de levar o tema adiante logo e deixar que o personagem se envolva mais em outros conflitos.
Acaba que a parte mais empolgante continua na velha e querida (e problemática) Hawkins. O grupo que ali permaneceu deu um show. Max (Sadie Sink) foi, sem sombra de dúvidas, o nome do ano. Sink ganhou espaço e brilhou como nunca, teria sido uma despedida apoteótica se os irmãos Duffer tivessem tido coragem de matar sua personagem. A morte traria muito mais propósito para o grande confronto final e acabaria com o sentimento de que o elenco principal é intocável.
Se não houve coragem para matar Max, o mesmo não pode ser dito de Eddie (Joseph Quinn). Assim como a saudosa Barb (Shannon Purser), mal deu tempo de nos afeiçoarmos antes da tragédia ocorrer. Uma pena, já que foi uma adição interessante.
Outro destaque é Steve (Joe Keery), que no passar dos anos virou o queridinho do público. O carisma do ator aliado a um texto que o beneficia explica bem essa crescente paixão por ele. Parece que Dustin (Gaten Matarazzo) tem razão em idolatrá-lo.
Diferentemente de Will, Robin (Maya Hawke) ganhou um plot bem mais animador. Óbvio que são situações diferentes, mas é bom ver ao menos um personagem queer empolgante.
Lucas (Caleb McLaughlin) começou nos decepcionando, mas felizmente deixou de lado a posição idiota após três episódios. Quem nunca decepciona, por outro lado, é Erica (Priah Ferguson). A menina é incrível e deveria ter um spin-off só dela – algo como Matando monstros com a rainha Sinclair.
A breve presença de Jason (Mason Dye) também deve ser mencionada. O popular da escola virou um justiceiro doido e nos entrega um bom recado em sintonia com os tristes dias atuais. Pena sua presença no capítulo final mais atrapalhar que ajudar, a resolução do seu arco poderia ter sido antes.
Esta temporada nos presenteou com dois episódios formidáveis: o quarto, Dear Billy, e o sétimo, The Massacre at Hawkins Lab. O nono, The Piggyback, foi eletrizante, mas deixou pontos duvidosos. Com relação à sobrevivência de Vecna, parece fazer sentido por tudo que ele representa para a mitologia da atração. Aliás, aqui tem um texto muito bom em inglês sobre o porquê do mundo invertido estar preso em 1983 e o papel do vilão na construção daquele mundo como o conhecemos.
Outro ponto, este sim estranho, foi o terremoto ter acontecido e nada além disso depois. Eu até imaginei que a ressurreição de Max havia freado a catástrofe. No fim, parece ter sido apenas um recurso capenga para esperar todo o elenco se reunir na cidade e, dias depois, continuar com a fusão dos mundos.
Resumindo todos os arcos abordados, é preciso dizer que Stranger Things vive uma situação parecida com Euphoria. São séries especiais, pontos altos na história televisiva. Algumas partes de ambas não funcionam tão bem, mas o todo é sempre recompensador.
Leia a crítica de Stranger Things S3
Stranger Things tem um cuidado enorme com sua narrativa. As cenas são escritas e filmadas de modo que a transição entre elas as conectem de alguma forma – seja através de um movimento de câmera, de um som, um detalhe que faz diferença. A edição de som, vencedora de inúmeros prêmios no Emmy, merece todo o reconhecimento. Os efeitos visuais também são ótimos e nos ajudam na imersão nesse universo prazeroso de acompanhar.
Encerro a crítica com a música Running Up That Hill, da Kate Bush. A obra esteve presente nas melhores cenas da quarta temporada e nos marcou muito.
Nota (0-10): 8
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