Eu fiz a minha assinatura da Netflix em 2015. Havia acabado de me graduar em Jornalismo, fui efetivado no jornal em que trabalhava e podia arcar com uma despesa fixa para além do básico. Durante um curto período de tempo, inclusive paguei as mensalidades do serviço de streaming sem ter internet em casa. Meu encanto era grande por um formato inovador para consumir produtos culturais. Não apenas isso, amava o fato da Netflix ser inclusiva em suas produções.
Essa relação com a empresa teve seus percalços. Muitas séries queridas foram canceladas sem consideração pelo público, por exemplo. Isso é algo bem desestimulante, mas ainda assim me mantive fiel à empresa que considerava disruptiva, um divisor de águas no mercado televisivo.
Considerei com seriedade abandonar a Netflix pela primeira vez após o lançamento do especial The Closer, de Dave Chappelle. Como havia muita gente defendendo o material, inclusive dentro da comunidade queer, resolvi assistir à atração e constatei ser pior do que pensava. Um verdadeiro show de horrores com preconceito disparado não apenas contra mulheres trans, mas cis também, feministas em geral, além de gays.
O especial de Chappelle teve uma reação de revolta até mesmo por parcela dos trabalhadores da Netflix. O episódio acabou se revelando um banho de água fria para quem esperava da Netflix uma postura de respeito às minorias. Ted Sarandos, CEO da empresa ao lado de Reed Hastings, deu o tom: para ele, e em consequência a Netflix, o material queerfóbico não incitava o ódio ou a violência. Em nome de uma liberdade de expressão esgaçada, o conteúdo de ódio ficaria no ar.
Mesmo que decepcionado, mantive a assinatura. Até ontem. Um novo escândalo estourou com o especial SuperNature, de Ricky Gervais, igualmente acusado de transfobia. Desta vez, não quis conferir o material por conta própria. Simplesmente desisti da Netflix. Cancelei a assinatura sem pensar duas vezes.
A empresa não apenas continua colocando no ar discursos de ódio, mas mudou suas diretrizes para deixar claro que funcionários insatisfeitos com o conteúdo devem pedir demissão, não protestar. É quase o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”, utilizado pelos ditadores brasileiros.
É triste ver como a Netflix coloca no mesmo patamar narrativas que não estão em pé de igualdade. No seu pensamento tosco, ataques às minorias são uma contrabalança a histórias que respeitam a diversidade. Isso não é pluralidade, é doentio mesmo.
Em um mundo tão reacionário e violento, tudo que não precisamos é de mais ódio. Tchau, Netflix.