Adolescentes com diferentes origens, vivências, personalidades, dificuldades. Um universo de ternura e sofrimento representado em Grand Army, nome do novo drama da Netflix e da escola onde se passa boa parte da trama.
Criada por Katie Cappiello, a série acompanha Joey Del Marco (Odessa A’zion), jovem feminista com traços de líder; Dominique Pierre (Odley Jean), estudante carismática que precisa ajudar a sustentar a família; Siddhartha Pakam (Amir Bageria), atleta que deve lidar com a própria homossexualidade; Leila Kwan Zimmer (Amalia Yoo), filha adotiva que tenta estabelecer a própria identidade; e Jayson Jackson (Maliq Johnson), músico mais retraído.
Esse quadro principal, com suas figuras secundárias, faz girar um enredo que se descola da visão açucarada da juventude norte-americana. Não por menos a produção é comparada com Euphoria, que igualmente não nos poupa de cenas desconfortáveis.
Todavia, enquanto esta nasce com mais purpurina e badalação, Grand Army precisa nadar braçadas mais longas para estabelecer-se em um campo onde todos disputam a atenção de um público cada vez mais disperso e distraído.
Qual o diferencial da mais recente atração? Fazer-nos refletir sobre o que vemos e, sobretudo, sentimos em resposta. Cappiello busca tencionar as situações de maneira que a culpa, palavra com caráter geralmente tão determinante, murche e faça menos sentido em cenas onde erros menores geram consequências desastrosas.
O primeiro caso é o de Jayson e Owen Williams (Jaden Jordan). O último tira a carteira da mochila de Dominique e joga para o amigo. Durante a brincadeira, o objeto cai na escadaria e U$ 200 são furtados. Mesmo que os dois consigam ressarcir a colega, enfrentam graves consequências – em especial Owen, que vê seu futuro destruído após a suspensão. O julgamento revela o racismo estrutural de nossa sociedade.
O próximo fato, igualmente perturbador, é protagonizado por Joey. Fora de si pelo uso de diferentes substâncias, machuca Tim Delaney (Thelonius Serrell-Freed) beijando George Wright (Anthony Ippolito) e Luke Friedman (Brian Altemus) enquanto segura um vibrador, sentada no colo deles. O contato evolui para um estupro, que depois é desacreditado por muitos quando Joey resolve fazer a denúncia.
Ocorre que o mais surpreendente dessas sequências é que eu, Douglas, não consigo me sensibilizar com a dor de Jayson, Owen e Joey. Eu entendo claramente que houve um estupro, bem como que o racismo fez parte do julgamento dos dois músicos. Mesmo assim, a ação como um todo faz com que eu fique um tanto alheio ao resultado, mesmo entendendo a enormidade do problema decorrente.
É louco o efeito no meu cérebro. Fico indignado com o estupro, fico indignado com a suspensão – e não consigo sofrer junto com os personagens. Isso faz de mim um mau ser humano?
Outro momento parecido é quando Dominique cola na prova. Eu consigo entender perfeitamente o que leva ela a isso, mas não tenho pena pela consequência negativa para ela quando é pega no flagra. Estaria eu, que tanto defendo os direitos humanos e a luta das minorias, de certa forma embrutecido pela sociedade?
Desculpem o desabafo. É que realmente fiquei perplexo com minha reação diante de tais acontecimentos. Não que em algum momento eu achasse correto Owen sair sem qualquer punição, por exemplo. Entretanto, diante de uma balança pendendo de maneira tão desigual, esperava de mim mesmo maior sensibilidade.
Juntando a isso tudo o temperamento difícil de Leila e o arco manjado de Sid, a verdade é que acabei tendo relativo bloqueio para torcer pelos personagens – algo fundamental em qualquer atração. No fim, Grand Army é surpreendente por revelar um pouco mais de nós mesmos. Para o bem e para o mal.
Nota (0-10): 7