Especial: Dark, a vinda de Jesus e a morte de Deus

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A série alemã Dark, de Baran bo Odar e Jantje Friese, conseguiu fisgar o público com sua trama complexa e intrigante. A atração chegou, por exemplo, a alcançar o topo dos shows televisivos mais populares no IMDB.

A ciência está fortemente presente no enredo, que traz diferentes linhas temporais e personagens viajando entre elas por buracos de minhoca. Acabamos ficando familiarizados, entre outros temas, com as possibilidades do bóson de Higgs.

Todavia, para além de conceitos científicos, também vemos uma forte referência à religião – mais especificamente, a personagens bíblicos. Não por menos que Jonas Kahnwald acaba transformando-se em Adam ao envelhecer.

Adão, como todos bem sabem, é o primeiro homem criado por Deus, que, na série, seria o tempo, ao menos conforme definição do próprio personagem principal. Isso por si só já nos faz refletir bastante, pois Jonas é, no mínimo, o precursor deste ciclo que estamos assistindo e está programado para ter alguma resolução na terceira temporada.

Além disso, olhando um pouquinho mais da história de Adão, é importante ressaltar que tanto ele quanto Eva foram expulsos do paraíso ao comer do fruto proibido. Voltando para a atração, qual seria o maior pecado por ele cometido? Provavelmente tentar desfazer os fatos, já que Adam mesmo exclama que, por exemplo, ele só irá morrer quando assim é pra ser. Ou seja, Deus é o destino do qual não podemos escapar – e, por enquanto, essa parece ser uma regra inquebrável.

As pessoas que lutam contra o tempo ganham ares de figura maligna pelos demais da história. As mudanças de Jonas indicam bem isso. Quando jovem, ao tentar lutar contra o destino, vai do paraíso ao inferno e leva toda uma cidade consigo. Mais velho, ao abraçar o Deus contra o qual tanto lutou, reina entre um grupo com cara de seita secreta – ironicamente subterrânea, mais próxima ao Diabo que do divino.

Outra personagem que ilustra bem isso é Claudia Tiedemann, chamada por alguns na trama de White Devil. Ela acaba sendo a personificação da figura maligna, uma bruxa, um demônio, ao ser a principal pessoa a tentar mudar o curso da história e defender a descoberta na usina nuclear.

Com relação a esse tema, fica a pergunta: quem é realmente esse deus do tempo? Poderia ser Lúcifer, que levou todos ao inferno e quer mantê-los em eterno sofrimento?

Os papéis dos personagens na história parecem bem deslocados dos discursos ocorridos. Logo, é muito possível, até mesmo porque sempre tivemos os personagens bíblicos como vilões – como no caso de Noah.

Noé, na Bíblia, construiu a arca para salvar diferentes espécies do dilúvio. Na série, ele indica o caminho da salvação para sua filha. Conforme diz, a maneira de sobreviver ao Apocalipse, um paralelo ao dilúvio, seria ficando no bunker.

Seu ciclo parece, no momento, ter fechado. Claro que o começo é o fim e o fim é o começo. Logo, isso não é indicativo algum, já que sua versão mais nova ainda precisa passar por muita coisa para chegar aonde chegou – e, levando em conta que Noé construiu a arca, eu aposto que veremos Noah construindo o bunker.

O Apocalipse, por sinal, abre o terceiro e último ciclo da produção. Se o primeiro está focado na descoberta e o segundo na destruição, seria este o do renascimento?

Uma figura muito importante na Bíblia, ou melhor, a mais importante dela, é Jesus. Ele já teria aparecido ou aparecerá? Ao analisarmos a última cena da segunda temporada, uma boa hipótese seria supor que, na trama, Jesus é Martha Nielsen. Ao morrer e vir uma outra Martha de outro espaço-tempo, provavelmente uma realidade paralela, nós temos, de certa forma, a ressurreição da personagem – um dos atos mais potentes relacionados ao Jesus bíblico.

Ocorre, entretanto, que Jesus é símbolo de bondade na Terra – nada muito diferente de Martha, bem verdade. O problema é ela provavelmente estar do lado oposto ao de Noah e Adam e do deus deles. Levando adiante essa analogia, ela enquanto filha de Deus vem para garantir a continuidade da história, se voltar contra seu pai ou lutar contra o maior inimigo do pai?

Uma pergunta muito boa é se seria ela a responsável por possibilitar o rompimento dos eventos até então estabelecidos. Levando em conta que o Jonas jovem provavelmente morreria se ela não tivesse aparecido, tudo indica que não. Pelo contrário, ela garantiu a história do jeito que está.

Logo, qual o verdadeiro papel de Jesus num mundo pós-apocalíptico? Jesus quis redimir a humanidade de seus pecados, mas parece não ter sido tão eficaz assim. Na série, seria ele também apenas mais uma peça do tabuleiro?

E, afinal, é possível matar esse deus ali existente, provavelmente maligno, e sair deste ciclo? Esta é a maior das perguntas. A resposta talvez esteja em A Divina Comédia, de Dante Alighieri, obra dividida em três livros, assim como a série está em três temporadas, cada parte com 33 cantos, o mesmo número de anos das passagens temporais.

O clássico italiano começa com o Inferno, que bem lembra onde todos os personagens acabaram caindo; vai ao Purgatório, que é onde todos se encontram vislumbrando uma dor aparentemente sem fim; e chega ao Paraíso, que deve ser o destino dos virtuosos.

Leia a crítica de Dark S2

Quem são as almas que merecem ser salvas? Há alguma que não mereça? O que seria essa representação do paraíso?

Há dois grupos em oposição em Dark. Seus métodos dizem bastante sobre eles – já que enquanto uns são capazes de matar crianças inocentes, outros se sacrificam por um bem maior, como Jesus teria feito.

A verdade é que a série não se preocupa muito em ter uma dicotomia entre os grupos. Até mesmo porque Adam e Jonas, por exemplo, são as duas faces da mesma moeda. Assim sendo, Deus e Diabo não seriam a mesma coisa também?

Talvez o paraíso seja estar o mais distante possível de divindades.

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