A dor é o seu navio. O desejo é a sua bússola. E só disso que o homem é capaz.
Passagens como essa dizem muito não apenas sobre os personagens que as falam, mas também sobre a atração onde estão inseridos: Dark, série alemã da Netflix criada por Baran bo Odar e Jantje Friese.
A produção chega em sua segunda temporada, com excelentes oito episódios, para dar seguimento à teia de mistérios da pequena cidade de Winden. O local, que tem sua economia movimentada principalmente por uma usina nuclear que está programada para parar suas operações em 2020, pode ser visto em diferentes épocas.
Isso porque acompanhamos protagonistas que são capazes de viajar por buracos de minhoca abertos tanto em uma caverna nos arredores da usina quanto em mecanismos especiais desenvolvidos para possibilitar saltos temporais.
Se antes tais viagens ocorriam em ciclos de 33 anos, nesta temporada as regras são ampliadas ao sermos apresentados a uma nova máquina que mexe com o bóson de Higgs, mais conhecido por partícula de Deus – nome bem apropriado para o conteúdo em questão.
Parcela das pessoas envolvidas neste emaranhado de conflitos está unida em uma luta contra um deus bem peculiar: o tempo. Nós temos realmente a capacidade de mudar o presente e o futuro ao ir para uma época que poderíamos chamar de passado?
Por enquanto, a resposta é não – já que todas as ações obtidas a partir de interferências em épocas passadas acabam resultando no exato presente que temos. Ou seja, a tentativa de mudança é a causadora daquilo que se tenta modificar.
É algo muito interessante para pensarmos. Acaba que a noção de passado, presente e futuro não passa de uma mera ilusão. Algo parecido com o conceito do filme Arrival, de Denis Villeneuve. Claro que são propostas diferentes, já que no longa-metragem há uma mudança em como a mente da personagem opera a partir do conhecimento de uma língua que funciona de forma circular.
Entretanto, esse mesmo princípio circular pode ser aplicado a personagens que com um dispositivo podem ir e vir no tempo, tornando seu conceito tradicional obsoleto ao criarem, por exemplo, livros e máquinas que você nunca vai entender a sua origem.
O quão bárbaro é alguém trazer uma obra do “futuro” e entregá-la para o seu autor, fazendo com que ele nunca a escreva de fato?
O brilhantismo da série é fazer tantas questões científicas soarem sedutoras em uma trama muito humana. É difícil taxar os envolvidos como mocinhos ou vilões. Todos são capazes de atos bonitos e questionáveis – e essa riqueza real é o principal ingrediente para nos fisgar.
Estamos diante de atuações sólidas, direção segura, questões técnicas irrepreensíveis e roteiro que nos prende a cada segundo. Dark, que deve encerrar seu ciclo na terceira temporada, é um produto atemporal.
Nota (0-10): 10