Crítica Sharp Objects: cicatrizes que carregamos

Camille Preaker (Amy Adams) é uma repórter que abusa do álcool para remediar as dores que carrega consigo há anos. A morte da sua irmã, ainda na infância, e a relação complicada com a mãe foram alguns dos fatores que a levaram a cometer atos contínuos de autoflagelo, inclusive fazendo com que ela fosse internada em uma clínica psiquiátrica até o passado recente.

O assassinato de garotas em Wind Gap, a sua cidade natal, faz com que ela retorne para o local onde cresceu. Ela não apenas precisa escrever sobre os misteriosos crimes que ocorre. Também é obrigada a confrontar Adora (Patricia Clarkson), matriarca que a critica muito, o padrasto Alan Crellin (Henry Czerny) e a meia-irmã Amma (Eliza Scanlen).

A trama de Sharp Objects, série limitada criada por Marti Noxon, com base no livro homônimo de Gillian Flynn, e dirigida por Jean-Marc Vallée, une elementos dramáticos e policialescos para falar sobre traumas.

Um dos responsáveis pelo sucesso de Big Little Lies, Vallée reforça a agonia do existir ao colocar em prática sua direção intimista que parece escrutinar todos os cantos da alma da protagonista. O ponto forte da obra certamente é a maestria com a qual ela é conduzida. A cada momento que flashes do passado invadem a tela, sentimo-nos desorientados, machucados, verdadeiramente humanos. Seja durante uma simples caminhada ou um ato sexual, é dolorosamente verdadeira a inserção de lembranças que atormentam.

Claro que esse minucioso trabalho de construção da dor não seria perfeito sem uma ótima atriz. Adams, artista premiada que já esteve em filmes imperdíveis como Arrival e American Hustle, desempenha com excelência um papel tão delicado quanto este. Ela comanda um elenco que ainda conta com as boas interpretações de Clarkson e Scanlen. Juntas, elas formam a força que conduz um enredo construído com calma e respeito, sobretudo aos sentimentos.

Esta não é uma produção que pretende que nos fisgar nos primeiros minutos bombardeando-nos com altas doses de mistério. Tampouco perde o ritmo em uma construção mais cuidadosa da sua teia de pistas. Ela é dotada de um fogo que consome tudo aos poucos, incendeia cômodo por cômodo.

Para formar esse cenário em combustão, conta com coadjuvantes postos ali para decifrar a realidade de uma cidade pequena. Há, por exemplo, o detetive Richard Willis (Chris Messina), tratado como um forasteiro que deve ser logo mandado de volta de onde veio. Bill Vickery (Matt Craven), chefe da força policial que trata com descaso os assassinatos. Ahley Wheeler (Madison Davenport), menina disposta a aparecer. E John Keene (Taylor John Smith), de longe a figura mais interessante entre as periféricas.

John protagoniza ao lado de Camille a cena mais emblemática da série. Ao transarem, ele beija as cicatrizes dela e demonstra o quanto a acha bela. Há uma força estarrecedora neste momento. A partir do personagem também podemos discutir a masculinidade tóxica, que inclusive faz o luto pela morte da irmã transformá-lo em suspeito.

De todo o material, aquilo que talvez mais esteja passível de discussão é o fim. A reviravolta de último minuto é interessante e faz total sentido. Todavia, há elementos que ficaram sem explicação, como a marca na mão de Alan. Também há uma curiosidade não respondida sobre o que ocorreu com John após a prisão dele.

O fim, de certa forma, não está em sintonia com o desenvolvimento narrativo que temos até então. Entretanto, é preciso ser mencionado que há um caráter muito pessoal em ser satisfeito ou não por determinados desfechos. Maniac, por exemplo, traz um fim mais convencional e consegue agradar plenamente alguns, enquanto desagrada a outros. O mesmo ocorre com Sharp Objects, que invariavelmente apresentou um trabalho de qualidade.

 

Nota (0-10): 8

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