Enquanto uma parcela mínima da população vive de maneira confortável, com tecnologias avançadas, em uma ilha paradisíaca, a maioria sobrevive da forma como consegue em uma cidade em ruínas. De um lado, a cura. Do outro, a morte à espreita.
Muito mais do que uma série futurista de ação, a brasileira 3%, uma criação de Pedro Aguilera que chega à sua segunda temporada na Netflix, é uma produção muito atual sobre as mazelas brasileiras. O aspecto da injustiça cotidiana, já perceptível no primeiro ano da atração, ganha mais vazão em um roteiro ainda falho, mas com alguns avanços.
Passada a seleção, finalmente somos apresentados ao Maralto. Em um primeiro momento, há certa frustração. Na última cena da temporada passada, quando o submarino estava chegando, vimos luzes e, de relance, torres modernas. Agora lá, não vemos nenhuma grande torre, apenas alguns prédios dispersos na mata – que, apesar da pontada de decepção inicial pelo aparente erro narrativo, convencem e acabam soando uma boa escolha.
No lado abastado, quem conduz a trama é Michele (Bianca Comparato), Ezequiel (João Miguel), Rafael (Rodolfo Valente), Marcela (Laila Garin) e André (Bruno Fagundes). Fagundes, uma adição ao elenco, mostra sensibilidade necessária, enquanto Comparato apresenta melhora, Miguel e Garin continuam como grandes trunfos e Valente ainda tropeça em uma representação pouco inspirada.
No continente, Joana (Vaneza Oliveira), Fernando (Michel Gomes) e Glória (Cynthia Senek) são os destaques, todos com capacidade de gerar empatia com o público. Para mostrar o passado de criação do paraíso distante e o estourar do caos na cidade, ainda temos as participações especiais de Fernanda Vasconcellos, Maria Flor e Silvio Guindane, que apresentam boa química.
De modo geral, o elenco tem um desempenho superior ao visto na estreia da série. Eles estão em sintonia com uma história que igualmente amadureceu e deu passos. Se no começo do segundo ano parece que tudo será contado em terreno seguro, a reviravolta na metade do caminho torna a situação saborosamente mais imprevisível.
Peças são movimentadas e as novas cartadas culminam em um fim que gera grandes expectativas. Afinal de contas, como mudar uma realidade tão dolorida baseada em um sistema corrompido de meritocracia que alimenta esperanças quase sempre frustradas?
Nem todo mundo chega a uma mesma resposta – e novos atritos possivelmente serão gerados, até mesmo porque não parece correto combater um sistema excludente com outro.
Mesmo que deixe a desejar por ter algumas situações mal construídas, figurino por vezes medonho e fotografia pouco inventiva, 3% ganha pontos ao ter um subtexto tão rico, elenco diverso, inclusive com uma personagem regular trans, e trilha musical agradável.
Encerro com o vídeo da participação da Liniker, que foi de chorar de tão linda.
Nota (0-10): 7