Apesar dos muitos avanços sentidos nas últimas décadas, o racismo persiste em uma sociedade que perpetua o preconceito como se não houvesse problema algum em disseminar o ódio. Frente à onda mais recente de vitórias de segmentos oprimidos, há uma espécie de contra-ataque daqueles que acreditam que os discursos que pedem por igualdade não passam de lamúrias irritantes. Há quem sinta-se confortável em viver em um mundo de desigualdades e opressão. Também há, por outro lado, quem esteja cansado de sofrer.
Dear White People, série criada por Justin Simien com base no filme homônimo dele, é um catalisador de vozes que não estão dispostas a ficarem caladas. A produção, que chega à segunda temporada na Netflix, não tem medo de causar desconforto e mostrar a brutalidade e as diferentes nuances de uma realidade que nos cerca.
Após os acontecimentos explosivos do primeiro ano, a tensão continua crescente. Um incêndio acidental faz com que os alunos negros da Armstrong-Parker House, da Winchester University, dividam o local com colegas brancos. O convívio forçado é um dos muitos pontos abordados na trama, que brilhantemente costura diversas narrativas.
Os episódios ganham diferentes protagonistas e, mesmo que todos os personagens costumem aparecer sempre, essa divisão acaba dando tons particulares aos capítulos. Aqueles centrados em Samantha White (Logan Browning), por exemplo, dão mais ênfase ao seu trabalho na rádio, à luta dela no campo de batalha chamado redes sociais e ao relacionamento com Gabe (John Patrick Amedori), homem branco com o qual discute não apenas amor, mas privilégios.
Uma das maiores qualidades da série é conseguir arrancar gargalhadas do público e, ao mesmo tempo, não deixar de ser extremamente crítica. Não é preciso repetir que qualquer obra sempre será política, por mais boba que possa parecer. Todavia, é preciso dar ênfase que Dear White People entende seu intrínseco papel referente ao status quo – e tenta mudar este não apenas com um roteiro inteligente, mas com uma direção precisa, fotografia caprichada e bons atores.
A compreensão do enorme problema que vivemos engloba algo que muitas pessoas evitam: a autocrítica. Podemos dizer que isso ocorre a partir da inserção de um personagem hotep – algo que nem conhecia, no entanto, conforme pesquisa rápida, descobri tratar-se de homens negros sexistas e homofóbicos que não buscam a igualdade. Eles querem tomar o lugar do homem branco como chefe do patriarcado.
É triste a constatação de que o sonho de alguns oprimidos é tornar-se o opressor. Que muitos já são. A revelação da identidade da pessoa que lança ataques racistas a partir de uma conta falsa no Twitter nos faz refletir bastante. Em um primeiro momento, parece muito louco que alguém que certamente já foi vítima de preconceito possa ser tão desumano assim. Entretanto, é exatamente isso que presenciamos no dia a dia.
Nosso mundo carece de empatia. Podemos ver isso através do olhar do policial que apontou uma arma para Reggie (Marque Richardson) no momento mais delicado da primeira temporada. O fato tem desdobramentos neste ano de diferentes formas. Enquanto o aluno que quase foi baleado precisa lidar com o trauma, o policial continua agindo da mesma forma.
Leia a crítica de Dear White People S1
Outros temas importantes também são abordados. Coco (Antoinette Robertson) ganha um episódio excepcional sobre aborto. Lionel (DeRon Horton) continua explorando sua sexualidade.
É muito bonito ver que a produção tenha gravado com naturalidade uma cena de sexo gay. Ficamos felizes por Lionel ter transado – e triste porque sua ideia de relacionamento não é a mesma da do companheiro.
O sexo, aliás, de modo geral, é um elemento muito importante na atração. Por mais que tenhamos tantos conflitos, nada disso resiste ao tesão, que está acima de divergências e une tantos corpos.
No fim das contas, Dear White People deixa um belo recado: menos ódio, mais prazer.
Obs: Tessa Thompson, a Samantha original, fez uma participação muito interessante na série.
Nota (0-10): 10