Em uma sociedade ocidental ainda resistente a mudanças comportamentais, a visibilidade da luta de quem sofre preconceito é de extrema importância. A batalha de negros, mulheres, LGBTs etc. precisa estar presente no nosso cotidiano, nas telas.
Por mais que avance a pauta de gays, lésbicas e bissexuais, a transexualidade encontra mais oposição e tem dificuldade de sair da marginalidade. Nesse contexto, Transparent, série de Jill Soloway, é um sopro de avanço fundamental.
A comédia dramática da Amazon traz de maneira muito sensível a história de Maura Pfefferman, interpretada pelo premiado Jeffrey Tambor. A personagem é figura central de uma família à deriva. Há uma profusão de dores que se unem e tornam a atração tão única. A tentativa de se livrar de demônios internos moldou três temporadas brilhantes e segue como destaque no quarto ano, que não tem o mesmo brilho, mas ainda assim é capaz de ir muito além do que a maioria das produções ousa.
O maior erro da série é ter episódios curtos. Sua trama é tão rica e densa que meros vinte minutos não bastam. É preciso mais, muito mais. Como todos os protagonistas ganham suas jornadas individuais, sobra pouco tempo para cada uma delas – e é cada vez mais perceptível o crescimento de importância de arcos narrativos não ligados à Maura.
Shelly (Judith Light) é a maior surpresa de todas. Mesmo que sempre tivesse ótimas cenas, as mais engraçadas de todas, desde o fim do ano passado, quando nos seduziu com sua apresentação no navio, mostra o quão indispensável é. Light tem o poder de nos fazer sorrir e chorar com a mesma intensidade. Será uma verdadeira lástima se a atriz passar mais uma temporada de premiações sem ser agraciada por este trabalho tão espetacular.
Outra figura de grande relevância é Ali (Gaby Hoffmann), sobretudo agora. Ela faz contraponto ao resto da família, que aceita passivamente atos muito questionáveis do povo judeu. Ali é a única que quer discutir o conflito entre Israel e Palestina. É formidável que Soloway traga essa discussão para a atração.
Quase a totalidade da quarta temporada se passa em Israel. Particularmente, por termos uma série tão rápida, fiquei incomodado com isso, principalmente com a adição do pai de Maura, que veio do nada e provavelmente deve sumir novamente. Isso fez com que os protagonistas tivessem suas vidas praticamente suspensas durante esse período. Ao menos serviu para vermos Ali atravessando muitas fronteiras, desafiando o senso comum e indo um pouco mais a fundo na busca pela própria identidade.
Sarah (Amy Landecker), por outro lado, não trouxe nada de muito construtivo. Sua grande – e positiva – contribuição foi fomentar uma discussão sobre o ingresso de uma terceira pessoa no relacionamento. É algo que não vejo nenhuma outra produção falar com tanta naturalidade assim.
O HIV de Davina (Alexandra Billings) é outro assunto tratado com muita honestidade. Pena a personagem ter sido deixada de lado a maior parte do tempo. Deu show quando apareceu – inclusive completamente nua. Prevejo alguma indicação ao prêmio de atriz convidada.
Leia a crítica de Transparent S3
Ao menos ela apareceu, algo que não podemos falar de Raquel (Kathryn Hahn) e do filho de Josh. Por falar no Josh (Jay Duplass), ele continua sendo a peça mais fraca do tabuleiro. Espero que na quinta temporada ele foque no trabalho, em uma nova vida, em qualquer coisa para sair desse limbo que está.
Também espero que a quinta temporada volte a focar nos fatos ordinários do cotidiano e consigamos ver um pouco mais do relacionamento de Maura com o novo namorado. Além disso, como Ali passará a dialogar com o próprio corpo, se Shelly continuará seu curso, o que Davina fará agora e se Sarah realmente escreverá um livro.
Nota (0-10): 8