Quando comprei a versão estendida do livro American Gods, de Neil Gaiman, pensei que teria em mãos uma aventura ainda mais rica que a originalmente publicada. Esta era a preferida do autor, certamente não me decepcionaria. Passadas 100 páginas sem acontecer praticamente nada, comecei a duvidar que um dia chegaria ao fim das quase 600 da obra. Dizem que brasileiro não desiste nunca – e neste caso se aplicou. Após muito aborrecimento, finalmente caiu a tempestade, que trouxe consigo um pouco de emoção para acabar a leitura de forma menos aborrecida.
Imediatamente depois, voltei-me para a série homônima, desenvolvida por Bryan Fuller e Michael Green. É importante ressaltar essa sucessão de consumo da história por um fato muito simples: tal contexto impacta profundamente a minha recepção da produção televisiva, que, apesar de ter sido esperada com certa apatia, saiu-se melhor do que o imaginado.
A atração é melhor do que o livro que a originou. Por mais que não tenha avançado muito na trama durante os oito episódios da primeira temporada, fez alterações positivas. A começar por dar espaço para diferentes personagens. Na obra literária, um dos problemas é a centralização dos acontecimentos na figura pouco expressiva de Shadow. Este, que na série é interpretado por Ricky Whittle, nos conduz para uma viagem enfadonha por diversos estados americanos.
Na adaptação, seu trabalho ao lado de Wednesday (Ian McShane) divide espaço com outras histórias mais interessantes, como a da esposa morta Laura (Emily Browning), por exemplo, que inclusive ganha um capítulo todo dedicado para ela.
Entretanto, há um erro que persiste. Nós não temos um contato mais próximo com os antagonistas. Por mais que eles apareçam com certa frequência, principalmente nas figuras de Technical Boy (Bruce Langley), Media (Gillian Anderson) e Mr. World (Crispin Glover), são desenvolvidos apenas unidimensionalmente, sem aprofundamento algum. Vale dizer que Anderson, apesar de ótima, não se descola muito dos trejeitos dos seus personagens em The Fall e Hannibal.
Há outra mudança que precisa ser enfatizada: os trechos que remetem à ida dos deuses para os Estados Unidos. De modo geral, procurou-se entrelaçar melhor os acontecimentos com os personagens principais e também foi potencializado o caráter crítico, anteriormente já existente. Bilquis (Yetide Badaki) e Mad Sweeney (Pablo Schreiber) foram beneficiados, assim como Jesus – que nem aparece no livro.
Além de racismo e machismo, a produção televisiva aborda os descaminhos da fé. Ver Jesus ajudar imigrantes mexicanos a atravessar a fronteira e, logo depois, ser morto por cristãos norte-americanos deixa uma mensagem muito forte.
É um recado entre muitos que são passados. A luta principal, que é travada entre os deuses antigos e os novos, estes representando a tecnologia, é muito interessante e atual. Quem acha que Google é deus certamente gostará do enredo da série.
O último ponto a ser abordado é a liberdade criativa. Nunca antes vi em qualquer drama tantos pênis assim. Eretos ou não, eles foram mostrados em igual ou maior proporção que vaginas. Até tivemos uma cena de sexo muito bonita entre Salim (Omid Abtahi) e o jinn (Mousa Kraish). Não que mostrá-los engrandeça a produção, mas se for para ter nudez, que ela não atinja apenas as mulheres.
Cabe agora saber como será conduzida a trama para a guerra. Pelo andar dos fatos, tudo indica que ela não começará na próxima temporada. Enquanto conseguir prender a nossa atenção, tudo bem. Finalizo com a magnífica abertura, que captura muito bem a essência da atração e inclusive dá um pouco de medo.
Nota (0-10): 7